terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Anunciação

A morte se anuncia perto.
Longe do mar mas perto do lago.
Em outra língua. Em outro bairro
Ela anuncia devagar, sem pressa
A morte é um rascunho de cacos de vidros
A morte se anuncia na esquina
na rua, no beco, nas praças
em todos os lugares
Ela vai a passos lentos
deixando as pegadas na neve
na cidade do vento
A minha morte se anunciou
nao mostrou o rosto e não tem cicatriz
ela se encontra na estrada
é la que morro e sinto seu beijo
dilacerando meu peito
num suspiro lento
Anuncio minha morte
terrível morte dos sonhos
que nao vive de realidade
me jogo contra ela, que já me espera
não quero, quero
Quero o beijo do desconhecido
do acaso do proibido
escondido debaixo das pontes
ou escancarado no outdoor
Não existe tempo nem preparo
a morte me chama e com ela
preciso encarar meus fantasmas
escolho quem ela vai ser
a morte nao tem cor nem religião
a morte é pagã
precisa de cor e coração
nao apresso, ela é pontual
não desejo, saberar saciar-me
apenas espero e conhecerei
seu beijo dilacerando e  me consumindo
A morte mata minha fome e arranca minha lingua
a morte é um paradigma.

4 comentários:

  1. Belas palavras. Penso que poderias aproveitar dessas bonitas imagens que criou e fazer algo mais prosaico e contístico, mas sem deixar de ser poema. Os primeiros versos são sensacionais. Inspirou-me a terminar um poema também sobre a morte desse jeito mais contístico que te sugeri. Obrigado.

    A morte é um tronco grande de carvalho que vovô derrubou quando eu era menino. Um tronco grande que depois de morto morou seco e imóvel no meio do jardim, abraçando-se à vida úmida ainda pulsante das flores e da grama incólume. Um tronco de carvalho que ao longo do tempo abrigou cupins, formigas e alguns esquilos no inverno gelado de 1932. Foi dele que vovô retirou a madeira para o atinado caixão do biso Guillermo, que veio a falecer antes que nascesse minha Aurora. A morte é um tronco grande de carvalho que vovô derrubou quando eu era menino. Um tronco grande do qual papai fez aquele banco com que nos sentamos todos os sete, eu, ele, mamãe, Lucas, Rudolph, Zoca, e a prima Nina que se aconchegou do meu lado (com seus shorts vermelho curtíssimo) numa foto tirada pelo Uaiômi num verão antes da Guerra. Um tronco grande de carvalho do qual eu (querendo arremedar as habilidades da marcenaria de vovô e papai) fiz desconfortáveis assentos para o balancê de Cora. Ela que no auge da sua infância lançava-se ao vento sem que seus cabelos soubessem algo sobre os bombardeios. A morte é um tronco grande de carvalho que apodreceu durante décadas no velho terreno do Sul que herdei de papai. Uma terra fértil, e que deu-me o sustento de filhos e netos, terra onde produzimos pão por meio da farinha de bolota, fruto das azinheiras e dos pungentes carvalhos robles, que sob sua sombra perene derrubei-me numa tarde de outono e nunca mais levantei.

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  2. Então estimadíssimo Bruno. Era essa minha ideia inicial mas acabei seguindo assim. Trabalherei mais nele. Valeu a dica e como sempre, mandando muito bem nas tuas palavras.

    Agradeço sua participação.
    Beijos

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  3. 2 caras que me deixaram suspensas no ar em início de madrugada virtual, mas nem tanto! ADOREI , Bruno e Ingo! adorei..li, reli, li, reli, li, reli....... e ja copiei-colei pra mim ! bjs aos 2! BEL

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  4. Muitíssimo Obrigado doce Bel. Guardo tuas palavras no coração que levarei junto comigo em minhas viagens.

    Beijos

    Ingo

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